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A mostrar mensagens de maio, 2009

5

No dia 5 do mês 5 do ano de dois mil e 5, 5ª Feira, marcava o Sporting o seu 5º golo, 5 médicas estagiárias comprimiam-se contra a parede enquanto a mãe fazia força pela 5ª vez com aquela certeza «é agora!». A criança escorreu então para o mundo, amparada por 5 dedos de uma mão masculina, de um corpo que sorria mostrando 5 + 5 dentes. «É um rapaz!», bradou o doutor, e as 5 letras do género masculino encheram a sala de partos com 5 berros que significavam «respirar dói, tenho frio, tu não és o meu pai, tenho fome, quero a minha mãe!» A mãe soergueu-se e reclinou-se 5 vezes na marquesa, cumprindo 5 ditosos misteres: «é ele e está tudo bem, preciso olhá-lo nos olhos, quero-o aqui no meu peito, levem-no ao pai, isto ainda não acabou». Eram 5 da manhã quando mãe e filho adormeceram profundamente lado a lado, respirando a cada 5 segundos, sonhando com 5 feixes de luz a 5 km/h até que a morte os separe desta vida de 5 sentidos.

Mareados

O mar levou os teus olhos - e o meu amor por ti, que despontava ainda, semente ainda, ficou sendo batido na maré baixa, escorrido na maré vaza, dissolvido em bolhas, na espuma da areia. «Um homem sem olhos a mim não me serve», pensei, realizando a pura beleza daquele sol pôr, riscado pelas curvas do vento que em sopros o cortinavam até ao dia seguinte, e que juntos já não poderíamos apreciar... Desprezei então, profundamente, a tua decisão em abdicar dos olhos, para ver melhor, mergulhar no mar, para nele os perder, como se a decisão não fosse tua, tu apenas vítima desse inescapável gigante a cujo apelo te entregavas, exangue de ser dono da própria vida, tomar decisões, colher consequências. Já era noite, quando arranquei, e tu ao meu lado, gritando de dor, que o sal te ardia nas órbitas roxas, e eu, furiosa, sem saber para onde ir, «vou-te mostrar uma praia magnífica!», disseras, naquela tarde amena, «olha que eu não sei voltar», retorquira eu, em deliciada antecipação desse desconhec

Os Dias Felizes

Já não sei quando nem porquê, falámos dos cromos da colecção «dias felizes». Umas meninas e meninos, de rechonchudas carinhas, olhinhos vivazes, sorrisos tranquilos, em poses simples, disfrutando a amena companhia uns dos outros, das plantas e dos animais, num contexto rural, campestre, envergando roupinhas coloridas, pontuadas por fitas, folhos, feitas de trapos, remendos, enfim, crianças pobres, de socas, tamancos, touquinhas elas, boininhas eles, os Dias Felizes. Fiz essa colecção, creio que ainda existe, num caixote, algures, no sótão da minha avó, copiei alguns a carvão, nunca os colori, a preto e branco já não me pareciam tão luminosos, esses meninos e meninas, ficavam despidos, na sua pobreza, desmaiadas as faces no original rosadas, os Dias Felizes, da infância, que é como deveriam ser, todas os dias de todas as infâncias, vistas por olhos alheios, que não os delas mesmas, que de os viver inteiramente se ocupam.

Fidelidade e coerência

«A fidelidade é para toda a vida emocional o que é a coerência para a vida intelectual: simplesmente uma confissão de impotência.» (Oscar Wilde) Acho de brava verve esta frase. Naturalmente, o seu autor era sobretudo um grande artista, escultor de ideias no barro da palavra; quando interpelado quanto a pensar deveras tudo o que dizia, replicava apenas tê-lo já esquecido... Na aurora do século XXI, a comparação inverteu termos; do homem moderno espera-se mais no plano intelectual do que no emocional: fidelidade às ideias! e... alguma coerência sentimental. E desta agravada exigência incorre maior dano: a franca expansão da nossa... impotência!