Folha #6_frangelo
Frangelo era o Ângelo que vivia na casa ao lado. Um tipo perfeitamente execrável. Mal cheiroso, maltrapilho, sisudo, sozinho, ele e o seu saco do lixo. Nunca olhava de frente. Mas vociferava coisas terríveis, ininteligíveis, noite alta, sempre só noite alta... Eu dizia bom dia, obrigada, deixe estar, e ele não respondia, não olhava, seguia. Eu passava por ele de carro, e ele sempre a pé, passos rápidos, decididos. O Ângelo despertava-me uma enorme curiosidade. Onde ía? Trabalhava? Como pagava a casa, as contas?... Bati-lhe à porta, por azeite, nem abriu, e estava lá, sabíamo-lo ambos. Um dia o páteo inundou, ele apareceu, vassoura na mão, a varrer a água, todo ele pingava. Estendi-lhe o guarda-chuva. Não disse nada. Fiquei ridícula, atrás dele, no rasto do seu silêncio, no lastro das varridelas... O sifão estava entupido, pois claro, era isso! As velhas sorriram-lhe agradecidas. Ele saíu sem palavra, mais a vassoura. Um dia, mais tarde, no messenger, encontrei um Frangelo, pusémo-nos a conversar, siameses a valer, morada e tal... Impossível! Era o Ângelo! Fiz pause imediato. E o Frangelo insistia. Até que lhe respondi «e se eu fosse a vizinha do lado?». Não respondeu, evitou-me mais ainda. Foi então que se deu o mudar-me de casa. Nunca mais soube do Ângelo, nem das fragilidades que escondia...
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