Belinda e Orlando
Belinda tinha cabelos de chuva que penteava nas tardes de aguaceiro. Mal assomava à janela, logo mil gotículas se formavam no vidro, caindo como doces gordas bailarinas bêbedas. Quando tomava banho, naturalmente ficava careca. Por isso, esse era um momento íntimo e especialmente prazenteiro. Adorava acariciar o crânio ermo e, fechada a torneira, sentir enfileirar-se as gotas de água, formando fios reluzentes de chuva suspensa. Quando chorava, os cabelos colavam-se aos olhos e penetravam as órbitas causando subtis choques eléctricos nas sinapses, o que lhe aliviava imediatamente a aflição.
Belinda amava o mar. Mas devido a estas circunstâncias tão específicas da sua natureza, não podia pertencer-lhe. Uma vez, ainda criança, largara a mão da mãe, correndo da beira mar para um instintivo mergulho. Foi apanhada por uma onda e logo o seu cabelo se uniu àquela massa de água, puxando-a, empurrando-a, lançando-a para cima para depois a fazer mergulhar, rodopiando, até ao fundo. Apesar de toda a aflição, Belinda sentiu algo que jamais esqueceu: uma ligação profunda entre ela e o mar. Ela era o mar! E o seu crânio reverberava, estabelecendo uma inquebrantável ponte entre a energia do mar e a sua energia interior. Não fora o pai - que logo organizara uma corrente de homens fortes que a puxaram até à margem - e a mãe - que com quantas toalhas tinha lhe cobrira a cabeça - e Belinda teria morrido naquele dia.
É certo que de lá para cá tentara mil manobras: usar uma touca, um escafandro, tudo o que pudesse bloquear a passagem da água - mas pressentindo a massa líquida compacta, logo os seus cabelos atingiam um ponto de contacto e por aí furavam em busca de imersão e liberdade.
Por isso Belinda contentava-se em olhar o mar. Passeava na praia a uma distância segura da beira mar. E chapinhava feliz nas poças que persistiam atrás da linha de água. Mas não se aventurava além disso.
Um dia, Belinda conheceu Orlando. Orlando tinha cabelos de fogo e um olhar incendiário que logo a atraiu. Ao aventurar-se na intimidade, descobriram um ror de cambiantes à conjugação das suas naturezas. E assim iam estando presentes, conforme a intensidade do momento, um fogo que se apaziguava, uma chuva transmutando-se em neblina, um aguaceiro que exumava as chamas, um incêndio que tudo secava...
Belinda amava o mar. Mas devido a estas circunstâncias tão específicas da sua natureza, não podia pertencer-lhe. Uma vez, ainda criança, largara a mão da mãe, correndo da beira mar para um instintivo mergulho. Foi apanhada por uma onda e logo o seu cabelo se uniu àquela massa de água, puxando-a, empurrando-a, lançando-a para cima para depois a fazer mergulhar, rodopiando, até ao fundo. Apesar de toda a aflição, Belinda sentiu algo que jamais esqueceu: uma ligação profunda entre ela e o mar. Ela era o mar! E o seu crânio reverberava, estabelecendo uma inquebrantável ponte entre a energia do mar e a sua energia interior. Não fora o pai - que logo organizara uma corrente de homens fortes que a puxaram até à margem - e a mãe - que com quantas toalhas tinha lhe cobrira a cabeça - e Belinda teria morrido naquele dia.
É certo que de lá para cá tentara mil manobras: usar uma touca, um escafandro, tudo o que pudesse bloquear a passagem da água - mas pressentindo a massa líquida compacta, logo os seus cabelos atingiam um ponto de contacto e por aí furavam em busca de imersão e liberdade.
Por isso Belinda contentava-se em olhar o mar. Passeava na praia a uma distância segura da beira mar. E chapinhava feliz nas poças que persistiam atrás da linha de água. Mas não se aventurava além disso.
Um dia, Belinda conheceu Orlando. Orlando tinha cabelos de fogo e um olhar incendiário que logo a atraiu. Ao aventurar-se na intimidade, descobriram um ror de cambiantes à conjugação das suas naturezas. E assim iam estando presentes, conforme a intensidade do momento, um fogo que se apaziguava, uma chuva transmutando-se em neblina, um aguaceiro que exumava as chamas, um incêndio que tudo secava...
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