ode marinheira
a noite invade-me, enrosca-se no meu sentir, deposita-me no leito. no teu peito. ajeitei-me. desajeitadamente. não sei fazer como a noite. continuamos a olhar as estrelas, lado a lado. continuamos a passear de braço dado nos jardins. os dias adensam-se como antes de uma grande tempestade. mas a chuva não vem. tudo parece suspenso. é demais, o que se me passa por dentro. confio ao sono de uma noite bem dormida os problemas agudos de todos os que amo. se eu não existisse, o mundo continuaria a girar. este pensamento reconforta-me. quero chegar. mas não há comboio, nem sequer estação. nem mesmo paisagem. enrosco-me na noite, mais e mais. de dentro, sai um suspiro, meio lamento. reclamo o silêncio. mas há um rulhar líquido ao longe. o mar entra-me pelo quarto, feito onda cobertor. e leva-me. leva tudo. leva todos. lava o pó dos cantos, vaporiza nódoas e vincos, alisa-me a alma... com força, com calma... vou dar-te a mão a quem mais confio. vou fazer o caminho a teu lado, mas só até ao pontão. queria ser infantil de birra mas não. sei que tudo está certo em ser como é, exactamente como é. como esta noite que não passa, que não acaba, eterna vigília da manhã que há-de vir. já sei sorrir de não realizares a verdadeira dimensão deste mar. apaziguo em mim este vai-vem por ir-e-vir, ao sabor do insentir, que mimamos ambos. um grito no escuro. um braço liana sem margem. uma vontade que soluça. e a cada dia que passa, um impulso que menos e menos se debruça. já nem há janela. mas a luz é cada vez mais forte. trago uma candeia acesa no peito. e não há onda que a apague.
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