Hoje

hoje fui ver um teatro
fiquei-me lá embevecida
presa pelo beicinho das histórias
recuei as rugas do meu cicerone para aí uns 40 anos
e mais que tudo me cativaram as sinopses em courier à unha, vulgos dactilografadas numa máquina de escrever a sério!
e as fotografias dos "grandes actores"
(cumpriu-me o comentário: "são as nossas referências, que estruturam a nossa identidade, é bom homenageá-las e se for em vida tanto melhor...")
e toda a panóplia cénica e técnica para 50 lugares que só se ocupam aos sábados - e quando não há paragonas de monta na vila...

hoje fiz a primeira prova de um vestido que de tanto dourado me pareceu o sol - a ser usado "stage only", bem entendido. adoro as modistas e os seus alfinetes e linhas e tecidos e peças em construção e mãos sapientes rodando-nos a cintura, ao pano votando toda a doçura...

hoje levei a minha avó comigo e parecíamos duas gaiatas felizes - mas meio assíncronas: onde eu ouvia suave melodia de violinos em CD jurava ela ser o estridente toque do meu telemóvel; onde eu insistia virar à direita contrapunha ela uma absoluta esquerda; ambas queríamos pagar tudo o que tivesse que ser pago; nenhuma queria voltar à seca urbe...

hoje li um poema que me encheu o dia e brotou sorriso em vontade flor. estive quase para pedir à minha avó que o lesse alto enquanto a modista me rodava a cintura, mas ela não tinha trazido os óculos de ler... ou ao cicerone do teatro da vila, seduzindo-o com a perspectiva de um momento de diseur fantástico, mas a régie estava fechada - e sem luz decente... não há poesia que aguente!

hoje fui buscar o meu filho e foi daqueles dias: chego cheia de amor e saudade e só tenho tempo de vislumbrá-lo ao longe antes de dois ou três pares de sobrolhos se vergarem torcidos na minha direcção... portou-se mal... ficou de castigo... a mãe/ pai de cricrana/ beltrano quer falar consigo porque... quando é ao contrário e os sobrolhos se alongam espansivos, sou mesmo a mulher mais feliz do mundo. ora assim, hoje... bem... também!

hoje fiquei uma hora a falar ao telefone com a minha irmã - não há hipótese, depois do intróito de assuntos sisos nas mesuras do tempo ("vou-me deitar cedo!", "sim, eu também"), a coisa desenrola e descamba, no riso, na cola, de fait divers intangíveis, memórias mutantes, ideias brilhantes...

hoje decidi reportar o meu hoje, assim, não sei porquê, acho que é por causa da lua que está cheia como só acontece uma vez por ano e esse dia é hoje.

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