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A mostrar mensagens de abril, 2011

vadis

o bebé dormia o seu sonho azul de lua cheia entre suaves odores de rosmaninho. e ele velava-o com devoção, com emoção, com toda a esperançosa alegria de futuro ali posto, entre cada subtil expiração a fluir com a vida. a cada afago, rememorava a noite sangrenta, os gritos, os estertores, os impulsos animais da guerra atirando irmão contra irmão, espada contra espada, coração contra coração. e neste berço... a eternidade. porquê? porquê? porquê?, repetia para si mesmo, sem encontrar razão. pela glória? pela vida? pela liberdade? tudo lhe soava insentido e amargo. mesmo tendo vencido, tinha perdido. a paz seria a glória. o entendimento seria a vida. o respeito teria sido a liberdade. o bebé agitou-se um pouco, abriu e fechou as mãozitas junto ao queixo, exalou um pequeno suspiro e de novo mergulhou no seu sonho. vadis chorava o grande guerreiro rival, caído no solo lamacento sob a sua espada, benzido pela chuva copiosa daquele dia sombrio. chorava todos os homens perdidos na lama, arrast

companheiros

são os que nos acompanham. nos momentos, na vida, nos pequenos nadas, nos tantos que nos são tanto. são aquela espécie inaudita de gente que podemos até não ver durante bastante tempo - mas que a cada reencontro confirmam a proximidade íntima, entrecortada de silêncios, sorrisos e olhares aquiescentes. sou grata pelos meus companheiros. por esses que me acompanham e a quem eu acompanho. que me reconfirmam na pele de uma tirada espelho de mim. que não esperam nada, que não pedem nada, dão tudo e tudo recebem. esta é a magia do trocal da amizade. uma estrada de sonhos partilhados, de lugares alquímicos visitados, de ideais traçados... hoje, a noite avança e os meus companheiros avançam comigo - e eu sou grata por isso.

bravio

os doces sentidos da desnudada ausência acicatam o lume bravio junto ao peito. e as ágoras têmporas do pensamento refulgem as suas esporas luzidias na vertigem da estrada. trocados miúdos roubam em êxtase essa tão amada loucura de viver. onde foi que deixámos as angústias penduradas? jovial troca de queixumes, confidências, sonhos, ausências... no último cigarro da noite esvai-se a última réstea de luz. apagado quarto da solitude, recolhe as lágrimas inauditas do sofrimento atroz. é no descanso final de cada dia que o corpo regenera o próximo sorriso. combalidas penas dos rios de tinta nas folhas do vento - escorreito sentir de inusitadas terras, invisitadas, inquebrantadas, no espelho do tempo.

vassimbora

vássimbora pensamentu qui si demora em tu miarde a'ialma vássimbora sofreguidão donolentia lassidão di contráriu ao sentimentu dizié sim, querié não, faliá talvezi iáiáiáiáiáiáiá - qui madrié confusão! vássimbora vontadié di ti tê qui à mi ladu di ti comé vagarzinhu falandu essas coisié qui ni si pensá pá dentriu té explodirié zosóis e zostrelas e ririé e chorarié té travez silienciu di senti tu cherozinhu di cacaju moid'em lavandá di puxá tu cabelu di mordé tu orelhaí di carinhar tu pelié todaparti dimaginá historinha di criança pá tu adormecém mi peitu di bebê du vinho quentié dietadi juntis baixó lumi di brasa di fazé'quelas coisié di massaji cos oilos quientés d'iairomas e brotá risadá dis cois'ainfaintil e adromecé di manhá sóunshorinhas té 'cordar e voltarié vida vassimbora ó di vassoira vou varrer tu prá pedra di calçada eu precisarié di tu? ah! cria tu! ma nunié nada!

censurado

eu estava assim, sem mais nada nem porquê, quando de repente: pimba! levei uma paulada gigante, aqui, mesmo na cova do ladrão, onde se alojam piolhos, onde se coça o suor, aqui mesmo, uma paulada que nem lhe digo! fiquei a ver estrelas, mas estrelas, senhoras estrelas, grandes constelações, todas a andar à roda, todas a piscar-me o olho, a misturar-se, a rir à gargalhada. quis levantar-me, mas não consegui - é que não consegui mesmo! que paulada, senhores, que grandessíssima paulada! arrastei-me uns metros, um sofrimento! comecei a rebolar, achei que seria mais fácil, e seria, se não viesse aquela rampa vertiginosa, eu podia lá saber que estava ali uma rampa daquelas! fui aos trombos, a rebolar, a rebolar, cada vez mais depressa, parecia que estava num pesadelo mau, uma pessoa quando vai a rebolar assim, são uns segundos, parece uma eternidade, e todo o corpo o que quer é parar, parar, percebe, mas àquela velocidade, só à força de um grande obstáculo. e foi o que aconteceu, fui embater

5 sentidos

ouves o meu vento? partiu para te sussurrar todas as palavras e o mar que de ti trago por dentro. sentes o meu coração? bombeou toda a doçura aos pés da tua loucura fez-se riso e tentação. e o odor da minha pele destilado em flor e fruto de um querer cuidado e bruto chega até ti como um mel? a que te saibo agora nesta distância infinda doce fui - serei ainda ou amargo a cada hora? e os meus olhos nos teus esse profundo mergulho entre a humildade e o orgulho ergue pontes? baixa véus?

embirra

embirra a menina com o caramelo todo brilhante, todo meloso, todo tão belo. embirra a mulher com o seu amante todo certinho, todo certeiro, todo tão... embirrante!

embalo

toma a minha mão na tua aperta-me assim, tão forte e docemente na beira da falésia coberta de raízes, musgo e heras naquela hora bonita do sol que se faz espera. leva-me da festa para um fortuito passeio sem destino marcado só de vontade traçado nas curvas da serra, da estrada. faz-nos a cama na velha carripana e deita-te assim, ao meu lado, murmurando em embalo que chama o meu corpo, o meu ser, o meu nome... Ana.